Neve Molhada
Estava escrevendo meu livro. Minha mãe entrou no quarto para pôr as roupas limpas, eu sempre me incomodo quando ela entra no quarto sem bater. Eu havia pendurado uma foto da minha infância, que usei como referência ao personagem Nine, comissão feita por Wallace Byeog. Essa foto eu tive que entrar em contato com toda a minha família para procurar, porque não estava em nenhum álbum, e no álbum que deveria estar, havia uma lacuna aberta, uns dos dois plásticos em uma página, que se guarda a foto, de acordo com a ordem das outras fotos, eu segurando gelo deveria estar ali, mas não estava.
Essa foto me dá uma lembrança muito vivida, mas tão vivida, por ter sido uma das poucas viagens que fiz com meu pai. Se curiosos para verem a foto original da comissão, vão para aquecer seus corações.
A minha mãe ao terminar de guardar as roupas reparou nessa foto e disse que sentia saudades desse tempo. Num misto de raiva e tristeza, talvez por descontrole e com certeza por gatilho emocional, eu fui grosso, gritei com ela, discuti dizendo que foi tudo culpa dela, por ela ter feito alienação parental quando eu era criança. O ato de reclamar e falar de um outro parente (nesse caso, meu pai) e fazer uma criança ou adolescente odiá-lo. E por esse motivo, nunca me aproximei de fato do meu pai, e acabei tendo um pai ausente, talvez por também não ser uma criança heteronormativa que gostava de jogar bola, mas principalmente, principalmente, por minha mãe ter me feito odiá-lo.
Depois te ter me exaltado com minha mãe e entrado e desavença, não deu nem dois minutos e eu desci as escadas para me desculpar. Ela estava estendendo roupas, um 2,5 metros e distância. Pedi desculpas. E comecei a chorar, chorei alto, agudo, do meu jeito de chorar, sofrido meio parecido com uma risada; e continuei a chorar. Parado, em pé. Ela só observando e refletindo sobre a situação, pois eu não choro em anos. Em 20 segundos depois, ela se aproxima e me abraça e disse que não precisava se desculpar, que ela era depressiva na época e isso não lhe impede de sentir saudades desse tempo, da ternura do seu filho, mesmo com pais separados (o grande motivo de minha mãe entrar em depressão e fazer odiar o meu pai foi ela ter sido traída por ele), de que disso, nenhum filho carrega a culpa; e que as coisas da vida são assim, ela argumentou. O que me acalmou... mas não me impediu de fazer a temida pergunta "e se as coisas tivessem sido diferentes?"...
Nessa viagem com meus familiares (exceto minha mãe, pois a "queimadura" já havia lhe atingido), à Serra do Rio do Rastro, parávamos de minutos a minutos por conta do enjoo das curvas e alturas da minha tia. Entramos primeiro numa loja de souvenirs, lembranças em formato de objeto, mas tudo era muito caro e não compramos nenhum. Chegado ao topo, me lembro muito bem de um chalé do cheio de maçãs (não sei de onde vinha) e o com um barulho constante de chaleira saindo de um aquecedor ou fogão à lenha, ou qualquer outra coisa, era criança e não tinha conhecimento das coisas, ao contrário de Nine que nessa mesma idade de 8 anos já era muito esperto. O barulho que fazia era como um bule fervendo, só que de modo reconfortante. Mas o mais interessante foi ver os quatis de perto, subindo o morro e ficando do lado de fora dos muros. Tinha placas de "proibido alimentar animais selvagens" mas o próprio estabelecimento vendia comida para dar aos quatis. As únicas lembranças que ficaram foram as fotos, além das memórias.
E se a Vida de Nine não houvesse tido uma reviravolta no seu aniversário de Nove (⑨) anos? Antes, eles eram uma família feliz.
"Estava caminhando por aí com minha Família e o lago e o riacho já estavam se congelando e eu peguei o primeiro pedaço de gelo do ano! Não amarelei! Quer dizer…. eu amarelei sim, assim como minhas folhas ficaram marrons Mas agora, dia depois, estou vermelho como tomate cereja. Será que o sol me queimou também? Mas não é igual à queimadura de sol da minha Mãe. "
O objetivo da viagem era ir ver neve, o que é raro aqui em Santa Catarina mas nem tanto, mas não é nada raro no inverno nevar no norte os Estados Unidos (eu prometo fazer histórias em solo brasileiro, inclusive já há uma em rascunho já bem longo, que talvez seja publicado daqui três anos, porque ainda pretendo fazer uma sequência para O Vampiro Girassol) onde se passa a história do Vampiro Girassol. A previsão não era de neve, mas fomos mesmo assim. Me lembro do carro antigo mas com um painel digital mostrando temperatura de 4°C. Nem tinha smartphones na época. Não nevou, mas a sensação de rir ao pegar o gelo escorregadio do riacho se congelando nunca irá me escapar da memória. Neurologistas costumavam pensar que as memórias... eram como uma câmera, reproduzindo as percepções várias e várias vezes, inalteradas. Mas agora, sabemos que as memórias são destruídas e reconstruídas toda vez que as recordamos. A página Neve que fiz antes desse ocorrido com minha mãe, agora tem ainda mais peso e significado.
Na Serra, eu me abaixei ao nível do solo, deitado, e olhei para o precipício. Obviamente amarelei, mas não sabia que o precipício me olharia de volta, 14 anos depois, onde houve a minha primeira e única tentativa de suicídio. Rimando com meu nome, Yan, amarrado na árvore de Flamboyant, caído no chão, pálido, branco feito neve, salvo pela sua família... enquanto passava pela experiência sensorial mais esquisita de sua vida. A árvore foi cortada depois da tentativa faz 5 anos e hoje seu crescimento representa também o meu crescimento, hoje frondosa e começando a emitir flores novamente, como trégua aos olhares do abismo; mas em que na minha ruína, antes e depois, meu pai não demonstrou ausência ou falta de carinho, mas sim dedicação à todos dos custos de me proteger do maligno olhar paranoico e vozerio irritante e incompreensível.
Não, Nine não possui, nem vai desenvolver esquizofrenia como eu, mas estar alienado num campo de laboratório só com cientistas alemães que não lhe dão nenhuma atenção... Só possui a sua família, Anne, e Paul, pai adotivo. Alienado perante muralhas.
O livro "A Empatia da Desilusão", planejado para ser finalizado em 2028, página da web em construção) aí sim terá uma protagonista que desenvolverá esquizofrenia e se a história se passará numa roadtrip pelo Brasil.
Confesso que, chorei ao escrever ao escrevar a passagem no diário do 08/07/2025 e também chorei ao escrever essa postagem para o blogue, que estava esperando a comissão ficar pronta para postar sobre o ocorrido. Ando muito chorão... melhor do que ser aquele apático-ambulante paranoide-androide cabeça-de-rádio.
Música feita por Byeog, Goeyb no seu perfil do Soundcloud. O Wallace Byeogo produz excelentes músicas! Deem play nos álbums maravilhosos dele. Ele produz música eletrônica, instrumental DnB, Jungle, Ambient, Etheral e também Hyperpop. Ele, inclusive, está no projeto de criação de um álbum de ambientação para a leitura do livro O Vampiro Girassol.